Assim a meio da manhã, no tabuado do café onde se lê o jornal e se mastiga um cimbalino, o puto encosta a bicicleta e entra e sai e olha-me e não pára. Virei-me e ele, em sorriso aberto, pede: pode fazer o favor de me olhar pela bicla? Não demoro.
O riso era lindo e já se ouve falar assim poucas vezes.
Respondo: vai à vontade. Juro que ninguém toca nesse teu tesouro.
A alma cresceu-lhe até à altura do sol das dez horas que já eram. Vi-lho na cara.
Li as notícias e as duas crónicas, troquei dois dedos de conversa com o vizinho da mesa do lado e preparava-me para a publicidade; o puto aparece, de cabelo bem arrumadinho a roçar as orelhas: - desculpe, esqueci-me de lhe dizer que ia cortar o cabelo.
Fiz voz de avô que já viu todas as crianças a crescer: - ouve-me: quando vieres fazer a barba, um dia vais tê-la, nunca deixes o teu tesouro, vais tê-lo, à guarda de ninguém. Podes demorar e os tesouros não se dão bem sozinhos. Um dia vais perceber!
Atirou-me um sorriso e creio que nos percebemos.
28.1.07
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9 comentários:
E pela manhã surge a Criação, lenta e serenamente
o livro abre-se…
E o café e as conversas
tomaram o sabor da felicidade
Já nada havia de novidade
no jornal daquele dia
A notícia mais bonita
espalhou-se em velocidade
no coração e no olhar
que levou a bicicleta
rua fora a pedalar...
Que manhã bonita!!! E neve só para os lados da capital... o que nos faz sorrir!!!
Um abraço.
Que bonitas manhãs as suas, amigo!
a alma cresceu-lhe até à altura do sol das dez horas que já eram...perdão Pascoaes!:)
E, Zef, lá se foi a publicidade...:)
Como vê, já cá vão dois sorrisos, se os juntarmos aos do puto e seguramente aos de quem o lê, isto está bom mesmo.
(Floquitos, para os lados da capital, floquitos só!(fizeram as delícias dos garotos))
ana assunção
Sou mesmo do contra: sinto uma boa dose de inquietude na história: o tabuado do café, as dez horas, a bicla ali à espera, o futuro fazer da barba, o tesouro, o sorriso.
Penso, Zef, que nos percebemos...
Sobralfilho, mesmo no meio da manhã ainda só há o caos; este céu nunca terá os luzeiros da criação.
Um abraço
Amélia, passo manhãs a exercitar as serenidades necessárias. E as tardes também; as noites costumam sê-lo.
Um beijo
Ana, olhe que houve mesmo aquele puto e o sorriso dele ainda cá canta.
Obrigado pelos seus sorrisos e que quem viu a neve esteja contente.
Abraços
Renda e Aires, não há estados de alma de expressão clara e distinta...
Abraços
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