Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa
(Cavafy; trad. de Jorge de Sena)
Não fui de aventuras longas,
mas amei os caminhos até ao mar.
Os montes olhei-os
a ler os segredos das nuvens.
Do respigo nos campos de Booz
só pedi pão na medida exacta.
Das pessoas vi a graça
e sorri-lhes desprendido.
Merquei as pérolas que desejei,
por saber querer só o que quero.
Os perfumes rodearam-me,
e colhi os que o corpo desejou.
Destinei destino esplêndido
qualquer mar e seu infinito,
como me aceitei hóspede bem recebido
no monte e a montanha que seguia.
Passageiro com destino,
marco os passos sem pressas,
que o fim da viagem é o que se caminha
e não a meta que se passa.
Meditei na água de muitas chuvas,
percebi da sede a causa e o remédio,
e, por serem "muitas as manhãs de Verão",
às vezes sento-me na festa do céu azul.
31.12.10
21.12.10
17.12.10
poema mínimo
palavras para um poema…
inscritas antes de nascer
chamam: sineta de orada
caminham: regresso à festa
ao orvalho criador
ovelhas:
regresso aos bardos
ao tempo imperceptível
inscrito antes de nascermos
e subindo já a morte
inscritas antes de nascer
chamam: sineta de orada
caminham: regresso à festa
ao orvalho criador
ovelhas:
regresso aos bardos
ao tempo imperceptível
inscrito antes de nascermos
e subindo já a morte
28.11.10
22.11.10
18.11.10
10.11.10
"Desamparinho" é palavra que, no "Milagrário" de Agualusa, é a da
"hora feliz, ao final da tarde, quando o dia cede lugar à noite, o calor esmorece, e os velhos se sentam nos passeios, fruindo o fresco e as cigarras, e vendo as moças passarem sacudindo as ancas."
Desamparinho fica bem à gente.
É que a manhãsolinho há-de vir de cara macia mas luz mortiça por causa da noite triste.
Até temos vontade de guardar a luz tristelinda, desamparinho que nos demora o entardecer.
Desamparinho é palavra mimosa. Luz manselinha.
"hora feliz, ao final da tarde, quando o dia cede lugar à noite, o calor esmorece, e os velhos se sentam nos passeios, fruindo o fresco e as cigarras, e vendo as moças passarem sacudindo as ancas."
Desamparinho fica bem à gente.
É que a manhãsolinho há-de vir de cara macia mas luz mortiça por causa da noite triste.
Até temos vontade de guardar a luz tristelinda, desamparinho que nos demora o entardecer.
Desamparinho é palavra mimosa. Luz manselinha.
6.11.10
3.11.10
29.10.10
10.10.10
18.9.10
25.8.10
16.8.10
24.7.10
19.7.10
6.7.10
2.7.10
CANCIÓN
Álamo Blanco
Arriba canta el pájaro,
y abajo canta el agua.
- Arriba y abajo,
se me abre el alma - .
Mece a la estrela el pájaro,
a la flor mace el agua.
- Arriba y abajo,
me tiembla el alma -.
-Juan Ramón Jimenez; Antología poética; Edición de Javier Blasco
Catedra - Letras Hispánicas .
29.6.10
15.6.10
8.6.10
Sente-se na minha frente.
Isso, um bocadinho de lado,
é melhor assim.
O perfil da boca fala melhor que os olhos.
Os olhos são muito sabidos,
olham e sabem-se olhados,
conhecem a arte de fingir.
A fissura dos lábios é de nervo rijo,
ri ou chora quando precisa,
não quando deve.
Olhos nos olhos é uma treta;
conhecem a conveniência do momento;
assaltam-se ou afastam-se
não se vê se por gosto se a contra-gosto.
É preciso saber muito para entender os olhos nos olhos.
Sou ignorante. Também tenho medo.
Assim, já está bem.
Estou a ver.
Vou guardar a imagem na pele.
Agora
sento-me eu,
também de lado.
Pode olhar.
Veja como é firme
a fissura dos lábios.
6.6.10
Fui ao vale de algum do meu crescimento e cruzei-me com um monge. Levava o cântaro do leite para os irmãos mais idosos.
Trazia os olhos no chão, mas tratei-o pelo nome.
Que festa de reencontro e conversa comprida!
Conversámos como há muitos anos, pouco mais que adolescentes.
O monge recolheu-se.
Levava uma ponta da alegria difícil de ler.
Ainda lhe conheço algumas letras.
Trazia os olhos no chão, mas tratei-o pelo nome.
Que festa de reencontro e conversa comprida!
Conversámos como há muitos anos, pouco mais que adolescentes.
O monge recolheu-se.
Levava uma ponta da alegria difícil de ler.
Ainda lhe conheço algumas letras.
4.6.10
No apagues, por Dios, la luz
Que arde dentro de mí mismo...
(Juan Ramón Jiménez)
O sol só cumpre o dever
de vir sempre a seguir à noite
não é da manhã luz materna...
não tem ouvidos nem olhar
velaste e a luz não sabe
descansas o sol não deu conta.
A luz arde dentro de ti.
A alba perfuma as flores
por ser de ambas a condição
como o branco é da geada...
sorrirem-te as madrugadas
é da quentura do teu sangue...
não vás por luzes andadeiras.
25.5.10
As Poupanças
Na realidade enganaste-me,
depositei o meu amor em ti
como numa caixa forte,
e que aí estaria sempre, dizias,
até que viesse buscá-lo.
Faliste, involuntariamente, é certo
(amor e morte são tão involuntários!)
não há ninguém no teu escritório e levaste
todas as minhas poupanças deixando-me as tuas.
Não sei que fazer com elas, é o que é,
nem com toda essa fé que tinhas no mundo.
(Jordi Virallonga; Quanto sei de mim - Tradução de Carlos Veiga Ferreira; teorema)
depositei o meu amor em ti
como numa caixa forte,
e que aí estaria sempre, dizias,
até que viesse buscá-lo.
Faliste, involuntariamente, é certo
(amor e morte são tão involuntários!)
não há ninguém no teu escritório e levaste
todas as minhas poupanças deixando-me as tuas.
Não sei que fazer com elas, é o que é,
nem com toda essa fé que tinhas no mundo.
(Jordi Virallonga; Quanto sei de mim - Tradução de Carlos Veiga Ferreira; teorema)
20.5.10
17.5.10
24.4.10
23.3.10
Cantiga da Ama
Quando se ouvem as vozes das crianças no largo
E se ouvem os risos nos montes,
O meu coração sossega no peito
E tudo o resto se cala.
"Vá, vamos pra casa, meninos, o sol já se foi embora
E vem aí o relento,
Vamos, vamos, acabou a brincadeira, toca a recolher
Até o dia nascer."
"Não, só mais um bocadinho, ainda não está escuro
E não podemos ir dormir,
Olha, os passarinhos ainda voam no céu
E as ovelhas estão todas no monte."
"Vá, vão, vão, mas só até ficar escuro
E depois vão pra casa dormir."
As crianças saltaram & gritaram & riram
E os montes todos ecoaram.
-William Blake; Cantigas da Inocência e da Experiência - Tradução de Manuel Portela; Antígona
E se ouvem os risos nos montes,
O meu coração sossega no peito
E tudo o resto se cala.
"Vá, vamos pra casa, meninos, o sol já se foi embora
E vem aí o relento,
Vamos, vamos, acabou a brincadeira, toca a recolher
Até o dia nascer."
"Não, só mais um bocadinho, ainda não está escuro
E não podemos ir dormir,
Olha, os passarinhos ainda voam no céu
E as ovelhas estão todas no monte."
"Vá, vão, vão, mas só até ficar escuro
E depois vão pra casa dormir."
As crianças saltaram & gritaram & riram
E os montes todos ecoaram.
-William Blake; Cantigas da Inocência e da Experiência - Tradução de Manuel Portela; Antígona
20.3.10
9.3.10
O homem arrastou-se pelo negrume impenetrável.
A princípio tinha solo pedregoso debaixo dos pés e a caminhada não era muito difícil, mas passado pouco a neve endureceu; as condições pioraram.
Teve de confiar na sua linha de pensamento:
A raposa pode ser infantilmente tímida em relação à intempérie. Vai escavar um buraco na neve ou enfiar-se profundamente em fendas, muito abaixo da marca de gelo, e ficar aí até que tenha passado o mau tempo.
Agora, o homem tinha uma hipótese de encurtar o intervalo entre ele e a pequena raposa.
Sjón - A Raposa Azul; trad. de Maria João Freire de Andrade - cavalo de ferro
21.2.10
30.1.10
A imaginação não é a capacidade de inventar imagens, mas a de harmonizá-las com o nada inicial do poema.
Todo o discurso sem zonas de escuridão é convencional e precisa de inspiração. Mas escuridão, neste caso, não quer dizer falta de lucidez.
A poesia está feita do que se diz, mas também do que se cala. Por isso, quem diz tudo não é poeta. Quem tudo cala, também não, mas acaba por ser menos maçador.
A última gota, a que a esponja não expulsa quando a esprememos, é a poesia. Mas essa mesma gota não é nada sem a pressão da mão.
(Angel Crespo - A Realidade Interna - Poemas escolhidos (1949-1990). Selecção e Tradução de José Bento - teorema)
Todo o discurso sem zonas de escuridão é convencional e precisa de inspiração. Mas escuridão, neste caso, não quer dizer falta de lucidez.
A poesia está feita do que se diz, mas também do que se cala. Por isso, quem diz tudo não é poeta. Quem tudo cala, também não, mas acaba por ser menos maçador.
A última gota, a que a esponja não expulsa quando a esprememos, é a poesia. Mas essa mesma gota não é nada sem a pressão da mão.
(Angel Crespo - A Realidade Interna - Poemas escolhidos (1949-1990). Selecção e Tradução de José Bento - teorema)
25.1.10
Foi o primeiro a levantar-se, abriu as portadas e viu o dia. O sol andava pelos lameiros e as gotas do orvalho piscavam às cores. Isso estava à vista, mas não era o que levava no peito.
Abriu o quarto de dormir, disse a quem dormia: é de nós, ou da casa; o tempo certo nunca vem quando é preciso.
Quem era de se levantar levantou-se, viu claramente visto o peito do sol e as cores das coisas.
Disse: é verdade, os tempos andam incertos.
Olharam-se.
Viam como ia o sol. Mas
também se sabiam de coração.
Abriu o quarto de dormir, disse a quem dormia: é de nós, ou da casa; o tempo certo nunca vem quando é preciso.
Quem era de se levantar levantou-se, viu claramente visto o peito do sol e as cores das coisas.
Disse: é verdade, os tempos andam incertos.
Olharam-se.
Viam como ia o sol. Mas
também se sabiam de coração.
23.1.10
O céu deve existir.
Às vezes, a gente sente-o, sobretudo quando podemos ver as coisas mais ou menos assim, mas isto é um exemplo.
O tempo anda frio e húmido e a casa tem estado vazia, quero dizer, não é bem vazia; não está na medida dela e isso morde o peito.
É a maneira de dizermos fazeis-nos falta, vinde cá a casa, onde há os sítios que nos completam; e sabemos que onde morais há bocadinhos iguais: também lá estamos bem.
É também a maneira de podermos ouvir temos casa de sobra e não está na medida do peito.
E a gente não fala. O peito fica aberto e escuta. Há um ventinho que nos passa, e o que é preciso.
Quando estamos atentos, são as coisas pequenas que vemos. A maior parte das vezes, só olhamos os mundos abertos, que só precisam dos olhos e são as coisas grandes que incham as casas.
As coisas pequenas é que as enchem.
As casas só se enchem do que quase ninguém vê
é da atenção que elas se completam
e o céu é assim,
sempre à espera
Às vezes, a gente sente-o, sobretudo quando podemos ver as coisas mais ou menos assim, mas isto é um exemplo.
O tempo anda frio e húmido e a casa tem estado vazia, quero dizer, não é bem vazia; não está na medida dela e isso morde o peito.
É a maneira de dizermos fazeis-nos falta, vinde cá a casa, onde há os sítios que nos completam; e sabemos que onde morais há bocadinhos iguais: também lá estamos bem.
É também a maneira de podermos ouvir temos casa de sobra e não está na medida do peito.
E a gente não fala. O peito fica aberto e escuta. Há um ventinho que nos passa, e o que é preciso.
Quando estamos atentos, são as coisas pequenas que vemos. A maior parte das vezes, só olhamos os mundos abertos, que só precisam dos olhos e são as coisas grandes que incham as casas.
As coisas pequenas é que as enchem.
As casas só se enchem do que quase ninguém vê
é da atenção que elas se completam
e o céu é assim,
sempre à espera
4.1.10
Amor, hoje teu nome
a meus lábios escapou
como ao pé o último degrau...
Espalhou-se a água da vida
e toda a longa escada
é para recomeçar.
Desbaratei-te, amor, com palavras.
Escuro mel que cheiras
nos diáfanos vasos
sob mil e seiscentos anos de lava -
Hei-de reconhecer-te pelo imortal
silêncio.
(Cristina Campo; O Passo do Adeus - Trad de José Tolentino Mendonça; Assírio & Alvim)
Nota pequena: ando sempre com Cristina Campo como Jacob com o Anjo: tarda-me a bênção, quero dizer, fica-me sempre qualquer coisa por entender dela...
2.1.10
levezas
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