28.5.07

na casa que tens

quiseste entranhar o amor
e vais roer a dor.

o moinho mói o trigo
e a dor é o sol do teu pão.

o choro é o crescente e a água.

põe na mesa os bocadinhos de trigo e sol
na casa que tens
e espera.

23.5.07

Conversitas

- O que é estar só?
- É: tu estás aqui e sabes que podes chamar por alguém que te responde…
- E o que é ser só?
- É estares aqui e não haver nenhuma figurinha ao alcance, nem ao menos da memória. Ou, então, já saberes tudo…

19.5.07



Maçã, amora, romã na tarde vermelha, bocas de brilho, doçura nos olhos.
Dormem no chão de marcela.

Quando a luz do quase fim do dia chegar, ainda irão pelos campos fora a cantar a música que lhes falta.


16.5.07

(Klimt)


Ainda pasmada, perguntava as palavras para anunciar o que devia ser anunciado.
Queria-as singulares, novas e acolchoadas.

Pôs a mão na barriga e um toque parecia pezito a dizer "sou eu".

"Mas é isto, eu sabia as palavras certas; vou ser mãe; simples."

"Mãe" e "filho" foram as palavras aladas que levou para toda a parte, ora em sussurro, ora bem declamadas, solenes e vaidosas.
Eram também as palavras singulares, novas e acolchoadas.





13.5.07

Para boa e segura memória


“Andei sempre à roda, à roda,
E sempre à roda de ti…"

Não. Não se pode fugir ao magnetismo do íman que tudo atrai e que tudo dispõe. E é justo. Se alguma coisa de verdadeiramente sério e monumental possui a Beira, é justamente a serra. Portugal tem outras mais belas e agrestes – o Gerês, por exemplo. Outras com mais incorruptibilidade – o Marão, para não ir mais longe. Outras mais luxuriantes – como Monchique. Mas nenhuma se lhe compara na maneira como expande a respiração, no modo aberto como desdobra o manto. Em qualquer das suas rivais a emoção que se expande é sempre um espasmo. Um frémito rápido e agudo. N a Estrela, porém, é um demorado fruir de sensações, feitas de surpresas sucessivas. (…) O Marão é um seio que entumesceu num corpo; o Gerês um espinhaço que se fendeu ao meio; Monchique um jardim suspenso. Mas a Estrela é uma expiração de pedra que o quis ser sem literatura. As irmãs são mais cenários do que realidade; ela é mais naturalidade do que artifício.(…) A Estrela, essa, guarda secretamente os ímpetos(…)Somente a quem a passeia, a quem a namora duma paixão presente e esforçada, abre o coração e os tesouros.”

Miguel Torga, Portugal

Obs.:Aqui fica isto, amável sugestão/convite da Renda. Se é MEME, óptimo. Se não, pode passar a sê-lo?...

12.5.07

CÉU

(foto de Marco Pedrosa)


A CRIANÇA olha
Para o céu azul
Levanta a mãozinha
Quer tocar o céu.


Não sente a criança
Que o céu é ilusão
Crê que o não alcança
Quando o tem na mão

(Manuel Bandeira, Belo Belo)

8.5.07

Das árvores


Plantam-se três árvores no quintal e queremos logo que apanhem os nossos ritmos das estações e os ritos das festas.

Fui podar as amoras e não acabei.
Cresçam como e quando quiserem. Elas é que sabem o tempo.

É assim, mas, às vezes, pensa-se noutras coisas e fica-se a cismar…

3.5.07


Afeiçoamo-nos às coisas e aos nomes que guardámos.
É assim que elas duram.