6.11.18


(Texto anterior alterado)

Andamos a entrelaçar o silêncio e as palavras
fermento fundido na massa do pão
olhos mar sol
ausência a saber ouvir as palavras.

Quando vieres traz vinho para a refeição
rosto da tua presença palavra coradinha.

Colmeal, 6 de Novembro, 2018

30.10.18


(Fotografia do Tiago)

Por onde andas?

A entrelaçar o silêncio e as palavras
fermento fundido na massa do pão.
A olhar a ausência como ouve as palavras.

Quando vieres traz vinho para a refeição
rosto da tua presença palavra coradinha.

Colmeal, 30 de Outubro, 2018

23.6.18




A rosa é sem porquê
(Angelus Silesius)

Sou podador de roseiras
vejo as folhas
afasto-me um bocadinho
olho as rosas devagar.

Não, não sei podar as rosas
sou jardineiro de ver as árvores e os pássaros nas flores
palavras e silêncios
e sabermo-nos pela maneira de respirar.

Colmeal da Torre, 23 de Junho de 2018


8.6.18


(Picasso)

           
            Mãe!
            Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!
            Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
            Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

            Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
            Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

            Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
            Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade! 

José de Almada Negreiros, “A Invenção do Dia Claro”
Em: José de Almada Negreiros - Obras completas
4 - poesia
Editorial Estampa, 1971
(Pág. 160)

4.4.18


Cântico antigo

Tem coisas estranhas o quintal da minha amada. Ontem à noite, dormia. Esquisito. E delicado.
De manhã, viam-se meruges esquivas, verdes bonitas flores brancas. Alegres.
E algumas lágrimas.
É estranho o quintal da minha amada.

No tempo bom, todas as coisas parecem o dia a nascer. E as coisas não são estranhas.
Era estranho se fossem. Também se não tivessem lágrimas. Algumas.
Mas a noite também é tempo bom. Como o nascer do Sol. A noite não devia ser esquisita.
O Sol sabe da noite. Um sabe do outro. E é bom.

À noite, a gente começa a ler livros. E música. O que não é estranho. Não devia ser estranho.
Mas é estranho o quintal da minha amada. E lê e sabe cantar. Deve ter os olhos postos no chão. Esquecido do céu e das nuvens que distribuem a luz como lhes apraz. Como livros.
Há pessoas assim.

O tempo incerto vê-se logo que o dia começa. Olham-se as meruges. As cores que trazem.

Quando as horas nos levantam os olhos, perdemo-nos a mirar o céu, e o chão não é estranho. Não notamos. Pode ser estranho.