-que passo o dia a preparar a calma do entardecer
-que saio do caminho para não perturbar as formigas; que trabalham e não sabem para quê
-que me escondo para que os pardais façam arraial na comida que lhes dou.
Quando me fizerem as perguntas do fim, hei-de ter desculpa
-que, logo de manhã, espreito o sol e o bendigo e a tudo que vai ter luz
-que tiro o chapéu diante das alminhas da aldeia pintadas na pedra e com flores de plástico à frente
-que olho para o lado para que os namorados sigam o seu caminho e verdade
-que namoro com a verdade toda inteira.
Quando me fecharem os olhos, hei-de ter desculpa
-falei de alto aos abusadores
-bati nos vendilhões dos templos
-nunca me pus de joelhos
-não me ponho de cócoras, cuspo nos hipócritas e outros exploradores.
-A água das fontes é o meu espelho, "mesmo se é noite".
E se, naquela altura, não tiver desculpa, hei-de dizer:
-vossemecê não presta; tem a ruindade da serpe que, em tempos, pôs no tal Éden.
Está a parecer-me que vou ser respondido assim:
anda cá, rapazinho
há muito tempo que ninguém me fala assim.
Vais-me desculpar.
E eu vou dizer:
já sabia!
e é lindo o entardecer, não é?
17 comentários:
talvez, talvez...
olhe e as "desculpas" são lindas e é assim mesmo, pronto!
:)
Beijinhos
ana assunção
Já agora, Ana, vai haver desculpas por ter posto isto aqui (relendo, só gosto do espelho da água das fontes).
E pronto. Original!
:-))
Beijos
Ai, Ai… meu rapazinho,
Nesse suave entardecer, dir-te-ei:
Tu foste chamado e… escolhido e, apesar disso, fugiste-nos de entre os dedos.
Não quiseste servir na Casa do meu Pai. Então, eu digo-te: Se não tivesse os pés aqui pregados, para já, dava-te um pontapé. Sabes que eu sou paciente (e que fui eu que corri com vendilhões do Templo) e cá te espero…
J.C. (sem superstar)
De bom humor, amen, amen dico tibi!
A idade refina-nos...
Mas deixa o pontapé. Pensa antes assim: no tal entardecer, vamos os dois (e pode vir mais alguém),
"respiciens per fenestras,
prospiciens per cancellos",
a cantarolar:
"Aperi mihi, soror mea, amica mea,
Columba mea, immaculata mea,
Quia caput meum plenum est rore,
Et cincinni mei guttis noctium"
Isto está no "Canticum Canticorum".
Sei que há uma boa tradução portuguesa, mas ainda não a tenho.
Olha, manda-ma...
Gratia tecum.
Se Ele falar latim, o Zef safa-se. Ele vai achar-lhe piada!:-)
Mas, olhe, o texto é lindo. Parabéns!
Fico contente por ter publicado este texto, Zef. Lembra-me, como falámos, Francisco de Assis: uma candura, uma confiança que permite esta familiaridade. Nunca o achei blasfemo, como lhe disse, e aposto que Ele gostaria de ser assim desafiado, pois acredito que também tem sentido de humor :-)
Ainda em férias. Beijos para todos, saudades a Pasárgada...
OláLis.
Sabe latim, sei(sabemos?) muito bem...Quem escreveu?:
Osculetur me osculo oris sui;
quia meliora sunt ubera tua vino,
Fragrantia unguentis optimis.
E ainda não me foi mandada a tal tradução...
Soledade, não é o riso que nos torna doces?
Saudades também destes sítios -e já há alguém mais tranquila :)
Como é lindo, limpo e puro este seu texto! A Sol lemvbrou Francisco de assis; eu lembro o mestre Caeiro...Beijo grande por tê-lo dado a conhecer.Refresca-nos por dentro.
Amigo, as férias pregam-nos partidas destas. Deixas aqui dois posts de seguida, tu que tens andado um pouco ausente, e eu não passei a deixar comentário.Mea culpa! Este post , além de comovente, traz em si uma dose de ternura que nos faz lê-lo erelê-lo e relê-lo.É a hora da despedida!
Para ti, além de desejar-te muitos, muitos anos com saúde , deixo beijinhos e um bem hajas.
Vai escrevendo, em latim, em português... não largues a pena.
Os comentários estão lindos. Até J.C. veio ler-te!
Ad majorem Dei gloriam.
Agora, respondes-me (ad litteram) em latim!…
Olha, para maroto já me basta o Joseph Ratzinger que é favorável à utilização do latim na celebração da Santa Missa, desviando-se do espírito do Vaticano II… Pela minha parte, sou adepto duma língua única. E, em boa verdade, digo-te que nunca entendi muito bem a questão da Torre de Babel!
“Isto está no "Canticum Canticorum".
Sei que há uma boa tradução portuguesa, mas ainda não a tenho.
Olha, manda-ma...”
Tem paciência, meu filho, como sabes (se é que não te esqueceste já), continuo, neste lugar etéreo, sentado à direita de meu Pai e continuo pobre. Assim, não posso oferecer-ta. Mas, não sejas homem de pouca fé: Bate à porta do José Sócrates, esse feroz e vaidoso rapazinho que anda por aí … a distribuir umas coisitas!
E ponto final, que Deus (meu Pai) te abençoe…
J.C.
Gostoso, todo o texto.
Refinado de humores com humor.
Abç
É lindo o entardecer e é lindo o teu poema!
Abraço
Obrigado, Amélia. Repito-me muito, mas as suas palavras deixam-me sempre muito contente.
Beijinhos
Olá, Sophiamar. Gosto de que tenhas gostado. Até dos comentários...
Beijos
Ora bem, J.C.! De mau humor?
Quando te vir, cara-a-cara e olhos nos olhos, palavra d'honra que te vou ler um poema de Caeiro, que começa:
"Num meio-dia de fim de Primavera"
Quanto ao Sócrates, olha, vai tu...
Boa tarde, Tsiwari.
Um abraço
Rosa dos ventos, bem aparecida!
Foi apressada a visita que te fiz. Não é que seja de pressas, mas hoje, até ando apressado.
Um abraço
(depois do ponto final)
Pois...
Mas, eu (ainda) não fugi do Céu!
Muito, muito bom, o texto! A Sol tem razão.
Um grande abraço,
Silvia
Amigo Zef,
Mas esse Jesus Cristo está muito recalcitrante! Não se faz rogado em dar um pontapé... onde é que já se viu tal coisa? Serão os tempos?
Adorei este bocadinho de prosa e deixo um abraço
Pois bem, J.C., faz-te menino outra vez e guarda, dos milagres, os primeiros dois e vem estar com a gente: vai fazer-te bem!
Bons olhos me viram, Sílvia!
Um abraço, dos grandes também.
Pois é, Meg, aquele J.C. ainda vai ser "uma criança bonita de riso e natural."
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