Dois gregos estão a conversar: talvez Sócrates e Parménides.
Convém que nunca saibamos os seus nomes; a história, assim, será mais misteriosa e mais tranquila.
O tema do diálogo é abstracto. Aludem por vezes a mitos, de que ambos descrêem.
As razões que alegam podem abundar em falácias e não chegam a um fim.
Não polemizam. E não querem persuadir nem ser persuadidos, não pensam em ganhar ou em perder.
Estão de acordo apenas numa coisa; sabem que a discussão é o não impossível caminho para chegar a uma verdade.
Livres do mito e da metáfora, pensam ou tentam pensar.
Nunca saberemos os seus nomes.
Esta conversa entre dois desconhecidos num lugar da Grécia é o facto capital da História.
Esqueceram a oração e a magia.
Jorge Luís Borges, Atlas; trad. de Fernando Pinto do Amaral (Obras Completas, vol. III. Editorial Teorema)
10 comentários:
Deixa ver... dois gregos a conversas sobre um tema abstracto, sem se tentarem persuadir recíprocamente... pode ser que, pela discussão, cheguem à verdade. A verdade deles, talvez... mas isto é muita areia para uma loura, Zef!
Um abraço
Este apontamento tem outra vantagem: chamar a atenção para a leitura de Jorge Luis Borges - imprescindível! E a obra completa está toda por aí, ed. Teorema.
Deixe lá, Meg, que, de passo em passo, passa-se a creditar que é possível, sem se precisar de mudar de cor...
:-)
Um abraço(das cores todas...).
Olá, Aires, por aqui vi que voltaste a pôr a "Pedra" a cantar. Não foi preciso escaqueirar-te o violoncelo...
Abraços
A conversar: imagino eu boas conversas, sem tempo marcado, sem princípio nem fim , apesar do título do post, ao ritmo das palavras tranquilas...
Boa semana.
É que o viloncelo também voltou a cantar... e o silêncio também cansa!
Da oração e da magia viemos nós. A "argumentação grega", que JLB afirma ser um pilar incompleto da História, foi um avanço epistemológico. E o regresso à oração, ou só à oração, levaria o Ocidente a joelhar-se e virar-se para Roma, como fazem certas culturas que não dialogaram.
Continuo com a polémica no meu blogue.
«Nunca saberemos os seus nomes.»
Sim, há coisas mais importantes.
Paulo, é por isso que entendo que Jorge Luís Borges não se afasta nada do método socrático da procura da verdade: por não ignorar que as crenças e os hábitos nos organizam, quer, através do diálogo, que se desocultem em cada um o que influências estranhas taparam. Será difícil, mas "é o não impossível caminho para chegar a uma verdade", a exigir pensamento questionamento e exame.
Lis, é verdade; a procura e a confiança na descoberta, devendo ser trabalho de cada um, o fundamental é que se faça...
Um abraço
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