estás azedo, pai. já não te oiço as palavras ambíguas que dizias e ficavas à espera das respostas. já sabíamos as respostas que esperavas de cada um e baralhávamo-las.
sim, filho, era um jogo bonito. assim como trazer-vos as prendas já pensadas para cada um e cada um pegar na que era para outro.
sim, pai, sobretudo quando percebíamos que já esperavas que as íamos baralhar todas, como com as palavras, e as tinhas escolhido a pensar nisso e ficava tudo como esperavas.
sim, filho, mas o jogo ficava ainda mais bonito quando as escolhas não eram as que esperava.
mas isso acontecia, pai?
ó menino, deixa-te disso. todos percebiam que sim.
ainda estás azedo, pai?
agora estás tu a jogar. que resposta esperas?
a verdadeira, como quando te respondíamos. brincávamos sempre a sério.
responde: ainda estás azedo?
filho, traz-me uvas de malvasia e os cheiros do monte de quando, logo pela manhã, íamos por campos e cabeços a saltar como cabritos até cairmos a rir. vós éreis o que éreis e nós parecíamos maluquinhos.
pai, ainda estás azedo?
traz-nos uvas de malvasia, filho.
26.4.07
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14 comentários:
Que bela ideia esta de ter criado o blogue, Zef! Como diz a Soledade, é assim uma espécie de Tonino Guerra nosso.Lindo este diálogo! Beijo grande
cair a rir faz nascer pétalas no peito e eu gosto
bem bonito...
ainda estás azedo? :)
beijo
ana assunção
Cena fabulosa...
( Sobre o 25/04: por isso, por momentos como os que o Zef viveu, é que esta data não será esquecida, ESPERO!)
Bom fim de semana.
lembro-me, Pai, de ter seis anos. ias pelos bardos um gigante e eu atrás corria e tropeçava e corria para não perder de vista as tuas calças escuras. davas-me uvas de malvasia uvas que pensavas tu que só tu sabias e que me davas e ardiam na garganta. depois, na bica da mina, enchias da água fria as tuas mãos côncavas e eu bebia os olhos encostados às tuas mãos de velho.
agora sou eu o pai e, Pai, afinal não encontro as uvas de malvasia e até a bica secou vai um tempo. dizem que foi o poço dos vizinhos novos que vieram da cidade e que nem sequer é um poço é um furo.
ando a pensar a Clara tem seis meses, na próxima anteprimavera prometo vou enxertar malvasia e hei-de falar aos vizinhos. e se me der na gana hei-de fazer um furo mais fundo do que o deles.
FQ
Obrigado, Amélia. Já me chega que tenha gostado.
Beijos
...e as pétalas é costume terem bom gosto, Knodel...
Ana, já alguém me chamou "ouriçodoce"...
Beijo
Renda, há coisas que nunca esquecem, sejam as de alegria, sejam as outras.
Um abraço
FQ, vamos trocar: guardo o teu texto e tu guarda o meu, mas não o leias já à Clara; fá-lo lá para perto do teu outono, entre as rosas...
Um abraço
Pois claro que gostei!
Obrigado, Aires
Não, já não está azedo: o ouriço ficou doce :)
:-)
Beijos
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