O meu amigo já não se perturbava muito por ir para a cama sozinho, era o que me dizia. Por vezes, sentia a falta de um braço ou de uma perna a dizer “olha, estou aqui”, para poder responder “já tinha notado pelo bater do teu peito”. É que, dizia também, foram tantos os tempos em que adormeceram e acordaram pele com pele e fusão de sentidos…Sentia a falta, mas mantinha a tranquilidade.
Ficava era todo estragado, era assim que falava, quando se via sozinho à mesa, sem ninguém para se ouvirem os silêncios e os olhos se cruzarem: era também por eles que percebiam o que fazia falta um ao outro.
E muitos não entendiam, quando punha na mesa dois e, às vezes, cinco talheres; mas era assim que ficava menos perturbado.
Era sempre com voz calma que falava…
17 comentários:
A saudade, a saudade...
Como se lida com a falta de alguém?
A TLEBS foi suspensa até 2010!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Ando a indagar nos dicionários o que quis dizer a Papoila...
Belmonte é a terra onde ficaram os judeus?
Neves de ontem, com os filmes que viste, com as músicas que ouviste e com os livros que leste não aprendeste nada. Que Deus te perdoe… se tiver por onde!
Zef, lembra uma daquelas brevíssimas narrativas do Tonino Guerra, como um apontamento para um guião de cinema. A solidão encena-se bem nos rituais do quotidiano.
Beijos para todos.
P.S.: Foi duplamente laureado: tem prémio também no Nocturno :-O
Conhece outra Belmonte na Beira Baixa, "neves de ontem"? E isso é tudo quanto lhe ocorre sobre Belmonte? Aqui (Alcobaça) também há judeus, donde concluo que também devem ter cá ficado judeus; sem determinante artigo definido que é para não restringir, porque, convenhamos, que é *os* judeus? Faltou no seu comentário o uso de um quantificador, ou talvez bastasse a compreensão de que há judeus, em comunidade ou dispersos, um pouco todo o mundo, como sucede aos povos que se lançaram em diáspora e souberam manter a memória da sua identidade. Receio bem é que, a continuar a investida neoliberal zessocrática, o dia chegue em que se diga de uma qualquer cidade, vila ou aldeia deste rectangulozito da Ibéria: "essa aldeia é aquela onde ficaram os portugueses?"
João , sozinho algures em África, no meio do mato, mandava sempre pôr dois lugares na mesa, para ter a ilusão de não estar só...
Pessoalmente , penso que teria o efeito contrario, agudizando ainda mais a situação, mas ...respeitemos os pontos de vista alheios!
Pequenos voos de borboleta na barriga diziam-lhe que não estava só, no entanto, a casa vazia...
Faz falta uma mesa cheia....
adivinha de quem...
Olá, Renda. Não sei...
Já entendi a Papoila
Neves de ontem: de facto, fala-se muito dos judeus de Belmonte por terem mantido certa unidade e práticas apesar das inquisições.
Mas penso que se tem falado da "comunidade" de maneira desajustada e até desinteressante, quando não ao nível da asneira, como, ainda há pouco tempo, em reportagem de jornal considerado de referência.
Sobralfilho, por vezes são metodologias erradas que projectam imagens erradas de identidades...
Soledade, registou com precisão o que alguns responsáveis deviam ter presente quando querem tornar conhecida uma terra...
Quanto aos rituais, cresci com alguns e vou-me vendo bem assim...
Do prémio, já lhe falei na sua casa.
Beijinhos
Greentea, mesinhas, se bem geridas, ajudam e podem não ser doentias.
Seja bem vinda.
...e que a borboleta tenha sempre asas de sol e de flores, ó catraia miúda...e que a mesa esteja sempre assim, como no poema de J.L.Peixoto:
"na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viuva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco."
Adivinhei?
Beijinhos
Do Sino para aqui... suposto padre(?) de Belmonte.
Muito a sério, em 20 anos, é a primeira vez que leio que alguém (o teu amigo) sente a dor da maior solidão, sentado a uma mesa de refeição.
Pensava, até agora, que acabo de te ler, que isso só tinha acontecido comigo...
Pois é, é difícil de acreditar, mas foi assim por uns longos e intermináveis oito anos...
Um abraço,
Um texto que relata a saudade em toda a sua plenitude, não a mais comum, dos gestos, e dos rostos e dos corpos, mas a dos silêncios que tudo dizem.
P.S.- Uma palavra só para avisar que a "Neves de ontem" é espanhola e uma doçura de pessoa. A sua pergunta é perfeitamente inocente. Acho-me no dever de o dizer a todos que a não conhecem e se precipitaram nos seus comentários.
Um grande abraço, Zeferino!
Meg e Jorge
o Vinte e Cinco de Abril tirou-me de casa; chego agora...
Obrigado pela vossa presença. Teremos mais tempo para outras palavras.
Abraços
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