Quando tenho a alma suja,
já não vou pelos padres santos do deserto que
castigavam o corpo.
(Conheci um monge que me contou que, no tempo em que castigava o corpo, se sentia todo sujo e não sabia da alma.
Que tomava um banho e até pensava que a água era a alma a morar-lhe nos olhos.)
Às vezes a alma vai suja
como sangue violentado em linho que já foi limpo.
(O monge falou-me do Cântico dos Cânticos, mas dizia sempre “sabes, deve ter sido lindo, mas foi há muito tempo. Gosto de ler, mas basta-me a água que me lava”.)
Já experimentei:
- sentar-me a comer chocolates e a metafísica gargalhou…
- ficar no banco do jardim; as aves nem me viram…
- etc.
(Recordo-me de que o monge dizia sempre o que devia e não usava etc. Não precisava: um minutinho dele a falar era do tamanho da música das estrelas.)
Vou fazer assim:
amanhã, o Sol nasce como sempre fez
vou sentar-me a olhá-lo
atrás dele vêm os pássaros.
(Aprendi isto por mim.)
E ainda vou fazer:
deixar-me voar, voar e ir com eles:
eles viram quem me falta e novas me hão-de dar.
E a alma vai ficar limpa lençol de linho.
10 comentários:
Voe, Zef! Há metafísica bastante em não pensar em nada, dizia mestre Caeiro...
E o monge deve ter razão: basta a água para lavar a alma. Eu gosto da água, lavando...
Quanto à metafísica...não há chocolates que lhe valham.
E, sabe Zef?, este seu texto inspirou-me - lindo sol, lá fora, e a frescura de um lençol de linho esperando.
Bom fim de semana para vós.
E do outro lado, quem lhe falta, novas há-de receber com regresso nos pássaros...
E a alma ficará limpinha...
Até o céu fica ainda mais aveludado e o sol mais sadio , ao ler as suas palavras, que admiro.
Bom domingo... e um abraço.
Amélia, ...e também "sou místico, mas só com o corpo"!
Vamos com as aves...
Monge santo aquele, Fernanda! Ainda tenho vontade de acreditar no céu das palavras dele.
Acredito mesmo!
Há-de, há-de, Lis; afinal o que nos faz falta é cada vez mais bem pensado e acaba por ser já tão pouco...
Renda, gosto do céu aveludado e do sol sadio.
Beijos
Gostei muito da reflexão.
Abraço,
alece
Que bem transmites esses estados. Que é como quem diz, que bem escreves! Constatação, apenas...
Abraço em voo.
Obrigado, Alece e Tsiwari.
Tenhais (tenhamos) um domingo lavado!
Abraços(à lareira!)
Olá ZEF!
Formas correctas:
Que tenhais um...
Que tenhamos um...
Tenham um domingo...
Tende um domingo...
Tenhais um... essa forma não existe.
Olá
Tenho para mim que a forma existe como conjuntivo a exprimir desejo, anelo. De facto, sendo mais frequente tal forma ser precedida de "que" ("partícula de classificação difícil" mas enquadrável nas "Palavras Denotativas", sugerindo realce – estou a seguir Celso Cunha e Lindley Cintra, "Nova Gramática do Português Contemporâneo"), apesar da frequência, julgo ser forma tão correcta como a usada por Quental "Chovam hinos de glória na tua alma".
Confesso que não fui (nem vou…) pela TLEBS, nem pelas gramáticas de Mira Mateus…
Julgo que tenho razão. No entanto…
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