30.10.07

(foto de Marco Pedrosa)

Saem ao sol e à noite. Choram, riem, velam, desvendam. Até nos silêncios.
Mostram-nos e
nem sempre é o desejado.

Sabem que são amor e desamor, luz, gelo, veneno. Não são atentas.
Não nos mostram e
não é o esperado.

As palavras não são afáveis.




27.10.07

GAZEL DO AMOR DESESPERADO

A noite não quer vir
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.

Porém eu irei,
embora um sol de lacraus me devore a fronte.

Porém tu virás
com a língua queimada por chuva de sal.

O dia não quer vir
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.

Porém eu irei,
entregando aos sapos meu cravo mordido.

O dia e a noite não querem vir
para que por ti morra
e tu morras por mim.

García Lorca (Trad. de Eugénio de Andrade: Escrita da Terra)

20.10.07

Conversitas



- Bastem-nos três tempos. O de se sair de casa; outro para termos saudades. E outro para...
- Deixa. Não é preciso dizer já tudo. Escolhemos depois. Quem tiver de escolher.
- E guardamos as saudades.
- É isso!

15.10.07

Berceuse



Que me dizem os teus olhos de água?
Que tenho talvez sede, uma sede final.

Que me diz a tua boca bela?
Que a minha felicidade está toda aí.

Que me diz a tua fronte de estrela?
A lâmpada arde dentro de casa.

E os teus belos braços em corbelha?
Que me terás tranquilo e silencioso.

Noël Vesper(Nouvè Vesper)
-in: Antologia da Poesia Provençal Moderna, Selecção de Louis Bayle e Manuel de Seabra; Tradução Directa do Provençal de Manuel de Seabra; Editorial Futura, 1972-

12.10.07

Por vezes digo: tentemos ser alegres,
e parece-me prudência a minha,
tão escavada é agora a deserta medida
à qual foi prometido o grão.

Por vezes digo: tentemos ser graves,
não se diga nunca que jorra para mim
sangue de vitelo gordo:
e ainda me parece prudência a minha.

Mas mesmo sem culpa a quem assim enche
de hipóteses o deserto,
de imagens a noite escura, alma minha,
a este será dito: tiveste o que era teu.

Cristina Campo, O Passo do Adeus, tradução de José Tolentino Mendonça - Assírio e Alvim

1.10.07

De pequeno aprendeu-se, sem se saber dizer, que a sombra e a quentura da casa era o que nos apagava o choro e nos dava o sorriso.

O nosso saber era do tamanho da sombra da casa e o coração tinha os limites dos olhos dos pais.
Éramos tão grandes e importantes como a voz grossa do pai e cabíamos nos olhos da mãe,
que eram grandes como o alguidar de água morna em que nos lavava.

(Durante um debate na Televisão: quem decide pelos mais pequenos?)