22.1.22

 

Raúl Brandão não podia ver uma árvore sem espanto e das pedras extraía-lhes a ternura. 

As árvores são mais que os frutos que nos mostram; são as memórias de quando as víamos, sejam sombras de descanso e de espera, ou ventanias de inquietação.

E sabe bem recordar a pedra e o bosque onde esperávamos, e não é mau percebermos as causas e os remédios das horas dolorosas. 

Tenho nos olhos a figueira da horta dos avós; as tílias à volta da igreja da aldeia do meu nascimento; a amoreira, a nogueira e uma oliveira de sítios doutro modo de nascer. 

Ainda me está no peito a japoneira e a pedra musgosa ao lado: foi onde li, da Odisseia, as treze pereiras, dez macieiras, quarenta figueiras do pomar de Laertes. O velho pai tinha ensinado ao filho os nomes que lhes pertenciam: “tu disseste-me os nomes e explicaste como era cada uma”, disse o filho, e o pai “atirou os braços em torno do filho”,

e “o espírito voltou ao coração” * 

A japoneira, e a pedra sua companhia, eram farol de um jardim meditação de monges. 

A tradição rabínica lê o primeiro sentido das árvores igual aos sentidos dos mensageiros: as árvores não são só frutos e sombra. Isso é coisa de olhos desatentos. 

São sobretudo aquilo que nos anunciam. 

Por isso, é bom olhá-las e os sítios em que nos conheceram. E onde as fixámos.

Elas sabem-nos nos lugares certos e são mensageiras das nossas memórias. 

Há árvores que conhecem a casa onde moramos. E são nossas visitas. 

 *(Odisseia, XXIV, 338-349).  


Carreiro da Lama, 21/Jan/2022