27.3.14

A horta de meu pai

Ele ampara a altura
de incontáveis plantas e rebentos
estende a cal, espera a floração
em sítios desabrigados
pergunta-se: este caminho tem coração?

quando reparo na horta desde o terreiro da casa
não me parece que esteja ali,
mas em qualquer passagem inacessível
na fronteira avançada
que me arrasta para uma verdade

as groselheiras pendem dos muros
a tudo o sol concede a exacta porção

José Tolentino Mendonça; Estação Central - Assírio & Alvim, Setembro de 2012

21.3.14

Não são frios os silêncios

Vamos por desperdícios amorosos
tarde doce, olhos palavra

mãe sentada no balcão a ver os pássaros na cerejeira,
língua de fumo das casas antigas.

Delicados são alguns patamares da vida
e íngremes as escadas do silêncio.

Onde passa o vento de todo o lado,
o alto das árvores é de palavras lavadas.

O silêncio chama os frutos pelo nome.