29.9.08

(Foto de Marco Pedrosa)


Pedintes de palavras singelas
usemo-las pão de cada dia.

Basta:
- é do fundo do coração que te quero.

E:
- telefona, quando chegares.

Ou:
- vamos molhar os pés na água dos sargaços.

Palavras que nos vestiam a inocência
cândidas transparentes .

Nunca sejam difíceis.

24.9.08

Foto roubada...

Rã, olhos de água no céu.
Na próxima lua
festa nos juncos...

22.9.08


Tu me chamas ainda a tua vida -
- E a vida é só o que se escapa e corre...
Antes me chames alma: é mais exacto,
Pois que, como a alma, o meu amor não morre.

Byron - Trad de Jorge de Sena (poesia de 26 séculos; ASA)

19.9.08

Das cores


Das cores e da luz já sabes
e das plantas - crescem
amorrinham
como Deus quer.

Setenta vezes sete são as amoras
e as promessas do diospiro.

Ponho na mesa o vinho da refeição,
calculada cada coisa pelo tamanho da alegria.

As amoras estão vermelhas e as framboesas.
E o mirtilo parece garoto negro a sorrir.

A romã vai ter sorrisos vermelhos,
fogo doido, sol perdido.

E
vamos ficar lambuzados
mãos caras olhos narizes
bocas.

Como Deus quer e nós também.

14.9.08

O Riso de Deus

(Capa da 16ª edição)

Imaginei um Deus com um enorme sorriso - aquele sorriso da Rita ampliado à dimensão do tempo da história, desde o homem das cavernas até ao dia em que realizasse o tal projecto pressentido. Disse-lhe:
- Rita: eu acho que Deus tem assim um sorriso como o teu quando nos vê amargurados...
- E eu acho que ele se ri mas é daqueles que andam por aí, muito contentes e convencidos, a fazerem o mundo como está...
Depois, ainda com o mesmo sorriso, levantou a roupa da cama, deitou-se e disse-me:
- Vá. Vem para a nossa Arca de Noé...

(António Alçada Baptista; O Riso de Deus)

13.9.08

Cartas da tarde



Há cartas que são ridículas, mas gosto de cartas e não me interessa se são ridículas.
Sinto-as e depois é como estivesse a ditá-las.
Demoro porque as palavras levam muito tempo a chegar. E também, quando as leio, quero gostar das palavras tanto como mais alguém vai gostar.
Sinto-as.
Às vezes, não são bem as esperadas. São como aquelas linhas da criança a quem se pede "Desenhe uma flor".

1.9.08

"das coisas verdejantes" (Com Elytis)

(foto da Ana Assunção - http://anaassuncao.multiply.com/)

"Hei-de fazer-me monge * das coisas verdejantes",
criança que ri depois de lhe soprarem no dedo magoado.

"Humilde servirei * a ordem dos pássaros",
no voo e poiso por o espírito ainda não saber ser puro.

"Pela noite virei * às matinas dos figos",
flores-fruto, água-brilho,
frescura de noites duras, pão d'algumas manhãs.

Hei-de ser,
"Molhado de orvalho",
bolinha de sabão no alguidar da roupa branca
onde se conhece e ganha
a inocência,

"O ciano * o vermelho o roxo"
perdidos no fogo das
"meninas sem mancha".

Ele, o fogo, mais poderoso.
Eu, pouco robusto, a querer as cores das
"coisas verdejantes",

vestimenta simples dos pássaros
louvada seja.