31.12.12

Conversitas

Todos os dias fazes uma casa nova

Variação 2

Era onde dormíamos
os salgueiros mergulhados no rio
música pequenina a mexer nos cabelos.

A água tremeluzia
as imagens eram ambíguas
nunca víamos os mesmos sonhos.

E é bom.

29.12.12

Ruínas

Por onde quer que tenha começado,
pelo corpo ou pelo sentido,
ficou tudo por fazer, o feito e o não feito,
como um sono agitado interrompido.

O teu nome tinha alturas inacessíveis
e lugares mal iluminados onde
se escondiam animais tímidos que só à noite se mostravam
e deveria talvez ter começado por aí.

Agora é tarde, do que podia
ter sido restam ruínas;
sobre elas construirei a minha igreja
como quem, ao fim do dia, volta a uma casa.

(Manuel António Pina, Como Se Desenha Uma Casa, Assírio & Alvim, 2011)


21.12.12

Conversitas

Todos os dias fazes uma casa nova

Variação

É veloz o teu olhar vento na vidraça.

Vou onde vai o vento entro e saio varro as casas
sou o sol e a chuva, dizias.

Levas para fora e para dentro os desenhos todos
qualquer sítio é a casa perfeita, era o meu sorriso

11.12.12

Conversitas

Todos os dias fazes uma casa nova, criança a brincar na manta, dizes.

Tenho sempre um problema com a janela
as janelas são a importância das casas.

Faz antes a porta, crescido que já estás.

Não é preciso uma porta
quem chega vai à janela e vê-nos por dentro e por fora.

7.12.12

Clara é a noite

Clara é a noite que para nós inventa corações
(Paul Celan, Sete Rosas Mais Tarde - Antologia Pética; Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno; Cotovia)

O tempo vai estúpido.
Dentro de casa a gente só diz que tempo burro.

Na rua toda a gente diz que chuva de caca.
Não dizem caca mas é a mesma coisa.

A gente como que se exila e a culpa não é da chuva.
Nascemos da noite e os dias são também as flores da nossa casa.

As rosas à volta da casa são feitas de sonhos e riem coladas nos vidros das janelas
o quintal é um rio de roseiras a mesa está posta e é de linho.
A gente pensa no tempo em que a noite subiu ao monte connosco.

5.12.12

Ao cair da tarde há sempre algum desassossego
as cores já não nos conversam os olhos
o escuro come-nos os sonhos

toca-me o corpo que a noite é generosa.