30.1.10

A imaginação não é a capacidade de inventar imagens, mas a de harmonizá-las com o nada inicial do poema.

Todo o discurso sem zonas de escuridão é convencional e precisa de inspiração. Mas escuridão, neste caso, não quer dizer falta de lucidez.

A poesia está feita do que se diz, mas também do que se cala. Por isso, quem diz tudo não é poeta. Quem tudo cala, também não, mas acaba por ser menos maçador.

A última gota, a que a esponja não expulsa quando a esprememos, é a poesia. Mas essa mesma gota não é nada sem a pressão da mão.

(Angel Crespo - A Realidade Interna - Poemas escolhidos (1949-1990). Selecção e Tradução de José Bento - teorema)

25.1.10

Foi o primeiro a levantar-se, abriu as portadas e viu o dia. O sol andava pelos lameiros e as gotas do orvalho piscavam às cores. Isso estava à vista, mas não era o que levava no peito.

Abriu o quarto de dormir, disse a quem dormia: é de nós, ou da casa; o tempo certo nunca vem quando é preciso.

Quem era de se levantar levantou-se, viu claramente visto o peito do sol e as cores das coisas.
Disse: é verdade, os tempos andam incertos.

Olharam-se.
Viam como ia o sol. Mas
também se sabiam de coração.

23.1.10


O céu deve existir.

Às vezes, a gente sente-o, sobretudo quando podemos ver as coisas mais ou menos assim, mas isto é um exemplo.

O tempo anda frio e húmido e a casa tem estado vazia, quero dizer, não é bem vazia; não está na medida dela e isso morde o peito.

É a maneira de dizermos fazeis-nos falta, vinde cá a casa, onde há os sítios que nos completam; e sabemos que onde morais há bocadinhos iguais: também lá estamos bem.

É também a maneira de podermos ouvir temos casa de sobra e não está na medida do peito.

E a gente não fala. O peito fica aberto e escuta. Há um ventinho que nos passa, e o que é preciso.

Quando estamos atentos, são as coisas pequenas que vemos. A maior parte das vezes, só olhamos os mundos abertos, que só precisam dos olhos e são as coisas grandes que incham as casas.
As coisas pequenas é que as enchem.

As casas só se enchem do que quase ninguém vê
é da atenção que elas se completam

e o céu é assim,
sempre à espera

4.1.10


Amor, hoje teu nome
a meus lábios escapou
como ao pé o último degrau...

Espalhou-se a água da vida
e toda a longa escada
é para recomeçar.

Desbaratei-te, amor, com palavras.

Escuro mel que cheiras
nos diáfanos vasos
sob mil e seiscentos anos de lava -

Hei-de reconhecer-te pelo imortal
silêncio.

(Cristina Campo; O Passo do Adeus - Trad de José Tolentino Mendonça; Assírio & Alvim)

Nota pequena: ando sempre com Cristina Campo como Jacob com o Anjo: tarda-me a bênção, quero dizer, fica-me sempre qualquer coisa por entender dela...

2.1.10

levezas


(Jackson Pollock)

desarrumas-me
que de trejeitos para dizer
desarrumas-me
não procurei a palavra
atiraste-ma
ó desarrumadora
e não demoro a desarrumar-te