30.4.07

CANÇÃO TONTA

Mamã.
Eu quero ser de prata.

Filho,
terás muito frio.

Mamã.
Eu quero ser de água.

Filho,
terás muito frio.

Mamã.
Borda-me em tua almofada.

Está bem!
Agora mesmo!

(Federico García Lorca, trad. de José Bento)

26.4.07

estás azedo, pai. já não te oiço as palavras ambíguas que dizias e ficavas à espera das respostas. já sabíamos as respostas que esperavas de cada um e baralhávamo-las.

sim, filho, era um jogo bonito. assim como trazer-vos as prendas já pensadas para cada um e cada um pegar na que era para outro.

sim, pai, sobretudo quando percebíamos que já esperavas que as íamos baralhar todas, como com as palavras, e as tinhas escolhido a pensar nisso e ficava tudo como esperavas.

sim, filho, mas o jogo ficava ainda mais bonito quando as escolhas não eram as que esperava.

mas isso acontecia, pai?

ó menino, deixa-te disso. todos percebiam que sim.

ainda estás azedo, pai?

agora estás tu a jogar. que resposta esperas?

a verdadeira, como quando te respondíamos. brincávamos sempre a sério.
responde: ainda estás azedo?

filho, traz-me uvas de malvasia e os cheiros do monte de quando, logo pela manhã, íamos por campos e cabeços a saltar como cabritos até cairmos a rir. vós éreis o que éreis e nós parecíamos maluquinhos.

pai, ainda estás azedo?

traz-nos uvas de malvasia, filho.

25.4.07

A palavra nasceu:
nos lábios cintila.

Carícia ou aroma,
mal pousa nos dedos.

De ramo em ramo voa,
na luz se derrama.

A morte não existe:
tudo é canto ou chama.

(Eugénio de Andrade, Até Amanhã)

Este poema foi posto aqui no dia vinte e cinco de Abril de dois mil e sete

21.4.07


O meu amigo já não se perturbava muito por ir para a cama sozinho, era o que me dizia. Por vezes, sentia a falta de um braço ou de uma perna a dizer “olha, estou aqui”, para poder responder “já tinha notado pelo bater do teu peito”. É que, dizia também, foram tantos os tempos em que adormeceram e acordaram pele com pele e fusão de sentidos…Sentia a falta, mas mantinha a tranquilidade.

Ficava era todo estragado, era assim que falava, quando se via sozinho à mesa, sem ninguém para se ouvirem os silêncios e os olhos se cruzarem: era também por eles que percebiam o que fazia falta um ao outro.

E muitos não entendiam, quando punha na mesa dois e, às vezes, cinco talheres; mas era assim que ficava menos perturbado.

Era sempre com voz calma que falava…

19.4.07



Ao subires o monte
olha o vale e
pára em chão aberto

espera as aves
estuda-lhes o voo e
percebe o vento.

12.4.07

Se é tarde ou cedo para amar ou morrer
é matéria que talvez interesse
aos deuses: por mim, que já paguei
a portagem, estou bem assim -
atento como um gato às moscas
do amor que passa.


Casimiro de Brito, Livro das Quedas, Roma Editora

8.4.07

Disse-te que te guardo nos olhos. Estás lá como criança na barriga.
Quando vieres, será como a primeira luz: vemo-nos logo, e pelos mesmos olhos, e vamos rir até chegar a minha noite.
Depois, vou ficar agasalhado nas tuas pálpebras.

2.4.07

As pedras não entendem como o verde amarelo do musgo põe o muro bonito.