1.12.16

(Texto reescrito)

Deixei-me achar por quem não me buscou
(Livro do Profeta Isaías, 65, 1)

1
A luz, silêncio subtil, caminha, e ouve-nos.

As coisas são um labirinto, desafiam-nos a atenção,
e puxam-nos para dentro delas.

O silêncio é um tabernáculo, casa luz do viajante.

Ninguém viaja sozinho; todos levam a luz
como as árvores têm flores.

E a luz é uma espécie de lira.

A criança ao colo da mãe
sorri na paz atenta de quem a olha.

Quem nos ouve não se anuncia.

2
O que o caminhante foi ouvindo na colina a mirar-se no regato,
nos muros musgosos de quando era menino na aldeia cheia de murmúrios
afinou-lhe o ouvido e o olhar.

A mãe era quem o iluminara e o silêncio tinha-o conduzido,
o que sabe o princípio e o fim e distingue as cores e os sentidos.

As coisas que foi ouvindo nas viagens e agora os murmúrios da sua aldeia
pacificam-lhe as entranhas, mas ainda não sabe onde passar a noite.

3
As violetas do entardecer e os crisântemos de Novembro amoroso,
e o sol, respiram de braço dado com a noite.

O viajante vai descansar.


10.11.16


Levanto-me pela manhã, deficiente,
Com partes do corpo apenas. Visto-o de
Alma e, logo, inteiro me parece em tudo
Idêntico de vida.

Maria Ga
briela Llansol; O Começo de um Livro é Precioso - Assírio & Alvim

5.11.16


Não vamos dizer nada. O resto do dia será nítido,
palavra tranquila, irmã gémea do silêncio,
do tamanho da esperança. A que não sabe mentir.


Campo bem lavrado.

1.11.16



Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
       Primavera, que é de outrem,
Nem para o estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa -
O amarelo actual que as folhas vivem
       E as torna diferentes.

Ricardo Reis, Odes

7.10.16

É desnecessário saíres de casa
para ver flores   Dentro de ti há
flores e em cada flor
milhares de lugares onde te
sentares clarões de beleza
sem fim dentro e fora do teu
corpo antes e depois do jardim

Kabir, O Nome Daquele Que Não Tem Nome
- versões de Jorge Sousa Braga; Assírio & Alvim, 2016.

24.9.16

Deixei-me achar por quem não me buscou
(Livro do Profeta Isaías, 65, 1)

O girassol olha as aves
e têm o mesmo respirar

o silêncio vai de braço dado com a noite
como o dia a alimentar os prados.

Moradores no mesmo chão, sabem onde passar a noite.

20.9.16

Deixei-me achar por quem não me buscou
(Livro do Profeta Isaías, 65, 1)

As coisas que o caminhante vai ouvindo
na colina a mirar-se no regato
nos muros musgosos de quando era pequeno
do sossego da aldeia cheia de murmúrios

o silêncio seu companheiro muito tempo
afinou-lhe o ouvido e o olhar

a mãe que o gerou era quem o iluminara
e era o silêncio que o tinha conduzido
o que sabe o princípio e o fim das pessoas
e distingue as cores e os sentidos

as coisas que foi ouvindo nas viagens
os murmúrios da sua aldeia
pacificam-lhe as entranhas.
Mas ainda não sabe onde passar a noite.

29.8.16


Deixei-me achar por quem não me buscou
(Livro do Profeta Isaías, 65, 1)

A luz é um silêncio subtil
a caminhar com as pessoas, e a ouvir.

As coisas às vezes são labirinto
desafiam-nos a atenção
e puxam-nos para dentro delas.

O silêncio é um tabernáculo
casa  luz do viajante.

Ninguém viaja sozinho
o silêncio também é companhia
e todos têm a sua luz.

As árvores têm flores
e a luz, ao passar, é uma espécie de lira.

A criança no colo da mãe
sorri tranquila e em silêncio
na paz atenta de quem a olha.

Quem nos ouve não se anuncia.

22.7.16



O sol vai à janela.
Posso entrar? Faz falta um bocado de tristeza.
As pessoas sorriram.

17.7.16

Deus disse: Eu era um tesouro que ninguém conhecia e queria ser conhecido. Então criei o homem.

- Hugo von Hofmannsthal, O Livro dos Amigos; trad. de José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2002.

16.7.16

Abraão e Isaac
(Génesis, 21 e 22)

1
Abraão toma seu filho Isaac e vai encontrar-se consigo mesmo, como Deus falou na sua maneira pouco clara de se manifestar.
Levam nas entranhas, o pai, a negrura de não entender as palavras todas;
o filho, o silêncio confiante no pai que o chamou.

Chegar a Moriá dura três dias, tempo bastante para o silêncio que desvela o invisível.


2
Vai no peito de cada um
- Meu pai!
- Eis-me aqui, filho.
- Eis o fogo e a lenha. Onde o cordeiro do holocausto?
Seguem os dois unidos.

Três dias é medida da eternidade. Deus proverá.


3
O pai sabe o que lhe foi dito; o filho segue junto do pai;
seguem no mesmo coração.


4
A tamareira em Bersabé, pomar de frutos abundantes,
a terra de Bersabé explica os silêncios e retém o tempo.
O pai a quem foi dito: toma teu filho, aquele que tu amas
quere-o interminável.
O filho que ouvira do pai aos servos: depois voltaremos para junto de vós
sabe que aquilo que leva não é a lenha do seu sacrifício.

Depois voltaremos para junto de vós
embalava-lhes o coração, silêncio música suave.
Seguem os dois unidos.


5
Na terra de há três dias o pai tinha invocado o Deus de eternidade, e Sarai,
Sara princesa que todos queriam olhar guardava no coração os sorrisos, os seus e os de Isaac seu filho, como dissera:
Deus sorriu-me, as minhas entranhas foram riso de Deus.
E Abraão a todos clamara:
este filho rirá e já nos dá alegria. Isaac é o seu nome.

O filho segue unido ao pai. O pai sabe o que lhe foi dito.
De palavras e silêncio são os seus passos. E o respirar.


Colmeal da Torre, 15 de Julho, 2016

1.1.16


Eu não amo aquele que não dorme, diz Deus.
O sono é amigo do homem.
O sono é amigo de Deus.
O sono é talvez a mais bela das minhas criações.
Eu próprio descansei ao sétimo dia.
O que tem o coração puro, dorme. O que dorme, tem o coração puro.
É o grande segredo de ser-se infatigável como uma criança.
De ter como
uma criança força nas pernas.
Pernas novas, almas novas
E de recomeçar todas as manhãs, sempre novo,
Como a jovem, como a nova
Esperança.

Charles Péguy; Os Portais do Mistério da Segunda Virtude;
Tradução de Armando Silva Carvalho - Paulinas Editora