21.2.17


Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura).
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado - "Bagagem" São Paulo: Ed.Siciliano, 1993

(Vd. também: Adélia Prado, “Tudo o que Existe Louvará – Antologia”; Assírio & Alvim, 2016)

2 comentários:

Soledade disse...

Muito boa, a Adélia. Que diria o Carlos do anjo torto? ;)

zef disse...

...Há anjos para muitas ocasiões (?)