17.2.22

1.

Há palavras irrequietas, gaiatas bonitas, não sabem o sítio certo, calmo e branco, onde possam estar e serem olhadas. Parece.

Mas sabem donde vieram: quem as vir logo verá o que são. E que trazem nas entranhas.

 2.

O vento, que sopra onde quer, colhe-as e espalha-as;

às vezes, é doido: se zangado, mistura-as como revolteia as folhas que já se sentem no sítio certo, e as palavras ficam ramos secos.

Parece que dormem. Ao menos, o vento as sacudisse, ou ficassem noutro chão ou nas águas da levada.

Alguém as iria ler. Fora da brancura em que costumam aparecer, mas disponíveis.

 3.

As palavras mexem-se, não são coisa obesa, amarrada ao chão. Estariam mortas, entre fedores.

 4.

As palavras mortas são o mais ruim dos males, pensava Heraclito.

Andam é irrequietas. Ou talvez não as vejamos. Ou outros barulhos as tapem. Ou as adormeçam.

Ainda não é o tempo do mal o pior.

 5.

O tempo tem a idade das palavras. E as palavras não sabemos onde nasceram, mas percebemos que foi o silêncio que as segurou nas mãos como quem leva crianças pelos caminhos de crescer.

Às vezes, mostram-se doidivanas. Não, não é isso: parece que andam a jogar ao esconde-esconde.

Precisamos das palavras assim.

6.

“Sê paciente; espera…”, disse-nos Eugénio de Andrade.


Carreiro da Lama, 16 de Fevereiro de 2022

5 comentários:

alecerosana disse...

As palavras que nos fazem falta; irrequietas,tranquilas, doidivanas e até mesmo as mortas.

Abraço Zef.

zef disse...

Alece, que alegria por voltar a vê-la. Há pessoas que são como certas palavras: fazem-nos falta.

Anónimo disse...

Lindo!
Lis

zef disse...

Fico contente. Obrigado, Lis. Bjinho

manuel disse...

Um aceno, um sinal, por entre (poucas, poupadas) palavras...