10.4.09

Pietà


(Pintura de João Alexandre - a partir da Pietà da Igreja de São Tiago, Belmonte)

Assim, Jesus, venho encontrar estes teus pés,
que outrora foram pés de adolescente,
quando eu tos descalçava e os lavava a medo;
como se emaranhavam em meu cabelo
como corça branca em moita de espinheiros.

Assim eu vejo teus membros nunca-amados
pela primeira vez nesta noite de amor.
Nós ambos nunca nos deitámos juntos,
e agora é só admirar e velar.

Mas como as tuas mãos estão laceradas - :
E não é, Amado, de eu tas ter mordido.
Teu coração está aberto, e pode-se entrar nele:
e devia ter sido só minha a entrada.

Agora estás cansado, e a tua boca cansada
não deseja a minha boca dorida - .
Jesus, Jesus, quando foi a nossa hora?
Que singularmente nos perdemos ambos!

(Rainer Maria Rilke: Poemas - As Elegias de Duíno - Sonetos a Orfeu. Selecção e tradução de Paulo Quintela -ASA)

4 comentários:

Amélia disse...

Magnífico este excerto das Elegias!
Um aboa Páscoa para si e Piedade - e demais, claro.Beijos

zef disse...

Amélia, obrigado. Dias bons também para si.
(Há dias em que gosto de ler este Rilke - e não é só em dias rituais)
Beijos nossos

Lis disse...

Belíssima tradução. E belíssimo poema.

OláZef!

zef disse...

OláLis!
Sempre que vejo Pietà lembro-me deste poema.