22.6.12

A Morte da Água


Um dos passeios que mais gosto de dar é ir a esposende ver desaguar o cávado. Existe lá um bar apropriado para isso. Um rio é a infância da água. As margens, o leito, tudo a protege. Na foz é que há a aventura do mar largo. Acabou-se qualquer possível árvore genealógica, visível no anel do dedo. Acabou-se mesmo qualquer passado. É o convívio com a distância, com o incomensurável. É o anonimato. E a todo o momento há água que se lança nessa aventura. Adeus margens verdejantes, adeus pontes, adeus peixes conhecidos. Agora é o mar salgado, a aventura sem retorno, nem mesmo na maré cheia. E é em esposende que eu gosto de assistir, durante horas, a troco de uma imperial, à morte de um rio que envelheceu a romper pedras e plantas, que lutou, que torneou obstáculos. Impossível voltar atrás. Agora é a morte. Ou a vida.

Ruy Belo; Homem de Palavra[s]

2 comentários:

Rui Antunes disse...

Recordando, pela voz da Romãzeira a soprar Ruy Belo, o coelacanto de Herberto Helder, passseio nos Passos em Volta. Entretanto, e porque KZ desapareceu (e não voltará) na busca de um peixe quase fabuloso, fiquei pela sua Singapura. Talvez porque Esposende me traz recordações das mais gratas, a pedir Imperial ou qualquer coisa que seja, vontade de estar.
“Refiro-me às virtudes da imaginação. Não se pode exigir mais nada. Uma pequena cervejaria numa pequena cidade destinada, em nós, ao puro jogo. Era um palco (…) Eu acreditava na minha vida.(...) Eu não sabia duvidar das palavras.”
En-graça-da viagem, entre várias aqui colhidas, em vários tempos e para vários tempos. Desta feita, não muda viagem, nem poupada no fraseado; e com uma imperial nos braços. E aqui começa um sábado, Zef, basta isso para um abraço

zef disse...

E,Rui, um abraço, atrasado uma quinzena.
Obrigado por ter lembrado KZ. Por mim, insignificante que sou, fico na praia…
:)
(Não sei se a propósito: perto de Esposende, Marinhas, foi sítio lindo onde passei quinze dias, há que anos! Tinha praia e uma taberna com cerveja fresca)