28.11.10

uma luzinha em cada palavra, desnudá-la,
cada ponto de luz sôfrego do invisível,
corpo irrequieto poema em gestação

e habitar-te
ou cair devagarinho à tua porta

22.11.10

É ambíguo o silêncio das casas.

Queria ouvir a água materna,
mar limpo e paciente.

O silêncio devia ser como o sono,
olhos abertos ao essencial.

E as palavras, varanda de fim do dia
à escuta.

E adormecer.

18.11.10

Estou sentado a preparar a alegria,
espiga adormecida;

quem chegar não tenha pressa,
ainda ardem os olhos;

quero-os a brilhar pelo lume novo,
incenso anunciado.

10.11.10

"Desamparinho" é palavra que, no "Milagrário" de Agualusa, é a da
"hora feliz, ao final da tarde, quando o dia cede lugar à noite, o calor esmorece, e os velhos se sentam nos passeios, fruindo o fresco e as cigarras, e vendo as moças passarem sacudindo as ancas."

Desamparinho fica bem à gente.
É que a manhãsolinho há-de vir de cara macia mas luz mortiça por causa da noite triste.
Até temos vontade de guardar a luz tristelinda, desamparinho que nos demora o entardecer.

Desamparinho é palavra mimosa. Luz manselinha.

6.11.10

A quem podes pedir
pede que os teus filhos e os filhos dos teus filhos tenham viagens longas,
meditem na água de muitas cisternas
e saibam perceber da sede a causa e o remédio

que conheçam a sombra e a luz de todo o fogo.

3.11.10

Vai olhando a penumbra
o pássaro da varanda
compositor de silêncios.

Vindo a manhã
maestrina da luz
voa ao arco-íris

e os velhos,
que têm a última palavra,
sorriem nas janelas.

29.10.10


Amanhã
vou esquecer os diospiros do outono
olhares afeiçoados
(refeições no terraço)
pássaros azuis
o som limpo das vogais;

talvez faça um poema sério
palavras mesuradas
(sintético eficaz)
de pensamentos profundos
e sons exactos;

e vou estar louco
ou morto.

10.10.10

Tenho por destino a luz das algas
e corro pelas montanhas
à vista das marés cheias

guardei o lume dos teus vestidos
em sítio abrigado dos ventos.

18.9.10

As palavras levam a vertigem das falésias, as carícias do mar
e o mosto engenhoso em que levedaram.

Lê-as com a atenção do marinheiro,
também no silêncio do provador de vinho.

As palavras também são desenhos dos meninos no bafo das janelas.
E as janelas são mar de vidro para as crianças sonharem.

11.9.10


Sento-me à porta do campo
e meço o tamanho do silêncio

25.8.10

POUR QU'UNE FORÊT...

Pour qu'une forêt soit superbe
Il lui faut l'âge et l'infinit.
Ne mourez pas trop vite, amis
Du casse-croûte sous la grêle.
Sapins qui couchez dans nos lits,
Éternisez nos pas sur l'herbe.

(René Char)

20.8.10


Colhe uma flor
se o sol vai duro
e não tenhas pressa.

Vêm aí os pássaros dos jardins.

16.8.10

As amoras são negras
e choram orvalho.

Sim, filho, são lindas,
as framboesas também.

Os teus olhos são negros
e as framboesas não choram.

Filho,
tenho olhos de amora.

E muito brilhantes,
gotinhas de orvalho.

Filho,
os meus olhos são amoras.

Os nossos olhos são amoras
e as manhãs são lindas.

24.7.10

Despegam-se das raízes as palavras,
escamas cansadas;
não nos levem a alma,
ao menos, Senhor.

Como a farinha se livra do cisco.

19.7.10

hoje não quero grande coisa
basta ficarmos assim

ontem as estrelas eram um deus dará
e foram grandes as coisas que quisemos

hoje o céu tem estrelas veladas a dizerem
só nos damos como desejamos

e amanhã vou dizer
hoje não quero grande coisa

e o céu vai ouvir
basta ficarmos assim

6.7.10

uma folhinha seca
na borda da água
o menino a olhar
olhos negros e grandes

céu de chumbo
mergulhado no tanque

silêncio pardo
na mesa já posta,
talheres ainda novos,
e um bilhete postal antigo.

2.7.10

CANCIÓN


Álamo Blanco


Arriba canta el pájaro,
y abajo canta el agua.
- Arriba y abajo,
se me abre el alma - .

Mece a la estrela el pájaro,
a la flor mace el agua.
- Arriba y abajo,
me tiembla el alma -.

-Juan Ramón Jimenez; Antología poética; Edición de Javier Blasco
Catedra - Letras Hispánicas .
Os velhos vão pelos campos a juntar recordações.

Dizê-las é a herança poema,
lume novo dos filhos.

29.6.10

Não digas as palavras todas.
Lembrei-me de to pedir há bocado, ao catar o jardim.
Vi um bicho de conta; toquei-o.
Encolheu-se e entendi-lhe o medo.

Fiquei a pensar nas conversas dos amantes.
O essencial é percebido quando cada um se recolhe ao seu leito:
eu amo-te.

E os corações batem muito depressa.

25.6.10

Estuda como os telhados se inclinam
e percebe a força da chuva.

Escolhe depois onde morar.