2.1.08

Lembro-me bem.

O Menino Jesus tinha-me dado três berlindes. Um, muito vermelho; o outro, quase verde. Gostava mais do que tinha tantas cores como o vestido que a minha mãe às vezes levava à missa.

No chão estava uma manta para eu brincar.
Lembro-me de ter brincado como vou contar.

Segurava os berlindes na mão esquerda. Depois, poisava um e dizia o pai está aqui. Com muita atenção, media três palmos e punha outro que era a mãe. Antes, deixava um sopro em cada um. O outro era eu e não tinha sítio certo. Às vezes até ficava seguro nos dedos. Depois de olhar muitas vezes, ia pondo, aos saltinhos, o pai de encosto à mãe.

E, quase a dormir, lembro-me bem, levavam-me para a cama e olhava pelo canto do olho.

Os três berlindes estavam encostadinhos.

16 comentários:

rendadebilros disse...

Isto não foi estudado no R. B.... Foi na vida mesmo... e o aconchego das palavras só pode ter nascido de uma sensibilidade muito apurada, como a sua...
Abraço.

Meg disse...

Éramos oito, havia a manta no chão que era de soalho... e dois brincavam assim. Só não me lembro das cores, mas dos berlindes e dos palmos (não sei quantos) sim.
E perto da lareira acesa.

Um abraço, Zef!

Isamar disse...

Nunca soube jogar ao berlinde nem ao pião. E tenho pena. Eram jogos de rapazes cá na terra e não deixavam aproximar-me.Tinha de contentar-me a observá-los de longe. Que pena!Se te conhecesse talvez me tivesses deixado jogar contigo.
Beijinhossss

Lis disse...

Aos poucos encontramos o nosso lugar e é quase sempre dentro do coração que nos colocam/colocamos.

Olá!

Anónimo disse...

Zef, que evocação(e parábola) tão bonita! É esta ternura, é... Como diz um dos pensadores que mais admiro: "Deus vive no pormenor".
Um beijo a todos e lembranças à romãzeira. Bem me lembrei dela, quando aqui saraivou, choveu e ventou como se os céus se tivessem rasgado.

Anónimo disse...

Que dizer ? Quanta ternura aí vai! Passada de Pais para Filho e deste para Neta.
Como me fez bem ler estas recordações suas, Zef, depois de uma noite e dia como a Soledade relatou e ao recolher, receosa, para um sono que desejo mais calmo do que o de ontem.
Como se soltam assim tais ventos ? pareciam os da alma, sufocados, mas revoltados.
Ganhei, sim, uma tranquilidade para dormir, depois de ler as suas palavras suaves.
Um abraço.

Amélia disse...

Juro que ontem deixei um comentário -sumiu?
Bem,nele dizia que,mesmo tardiamente, em virtude do blac-out do meu computador em que estive durante quase 48 horas, como me encantava e encanta esta sua micro-narrativa - e como eu acho que devemos colocar os berlindes todos juntinhos e bem peerto do coração.

Anónimo disse...

É uma bela maneira de narrar. O que aqui vai de sentimento! Lembrei-me de um saquinho de berlindes que em tempos partilhei com os meus irmãos. Eles jogavam e eu, que nunca soube jogar, ficava a vê-los e apertava os berlindes nas mãos até os sentir quentinhos!

zef disse...

Renda, em R. Barthes? – Sei lá! As nossas nascentes são tão muitas…
Um abraço.

Meg, oito? Nós éramos sete… mas o que nos fica de pequenos é o de quando nos sentíamos únicos!
Um abraço

Sophiamar, lá na escola também nos separavam por um muro de pedra…
Sabe-me bem teres chamado para aqui o "faz de conta" do dia 1 de Setembro…
Beijos

Lis, é verdade; e é por ter sido assim que tentamos que outros nos encham o coração?
OláLis

Soledade, "Deus vive no pormenor"…vai estando parecido connosco…
Beijos nossos (a romãzeira ando a proteger-lhe as raízes, que das saraivadas parece saber defender-se).

Fernanda, deixe lá, que os gritos vindos de fora podem levar-nos a apreciar a tranquilidade que vem de dentro. E fico contente por ter gostado.

Amélia, juro que não vi…
Olhe que (vaidade minha?) também gostei de me ter lembrado!
Beijo

Ana Maria, afinal as lembranças de criança são-nos sempre quentinhas (pelo menos para quem a infância teve momentos de lembrar assim).

Anónimo disse...

LI ALGURES QUE ESCONDIA OU RASGAVA PAPEIS NAO CREIO SEMPRE GUARDEI SEGREDOS SEMTIMENTOS PARA EVITAR QUE ALGUEM SOFRA É ERRADO SEI MAS CONTINUO

Anónimo disse...

O anónimo anterior é a tua mana mais velha.

zef disse...

Ó mana mais velha, ainda tenho para mim que foste tu que fizeste desaparecer o tal papel da cómoda...
Foi por bem fazer, sei muito bem!
Beijinhos

Anónimo disse...

Zef, já bem tarde, noite fria e nevoenta, venho desejar um bom ano a todos aí.
Gostei de ler a história. O Menino Jesus fez muito bem em dar os três berlindes a um menino que sabia olhar tão ternamente pelo canto do olho :)
beijinhos
ana assunção

zef disse...

Ana, vem sempre a tempo! Como vinha sempre a tempo o Menino Jesus...
Sabe que, em tempo frio e nevoento, acredito no Menino Jesus que dá berlindes? - Fico bem assim, e não me interessa chamarem-me piegas...
Beijinhos

Anónimo disse...

estás longe...mas perto... és como os berlindes, ao primeiro toque estão juntos....não há palmos que os separem, estão sempre atentos... um beijo e bem hajas por seres como eles (os berlindes)

zef disse...

Mana, és a mais velha, não a velha...
Foi assim, é e vai ser como dizes.
Beijinhos