18.4.13

ESTES POEMAS, DISSE ELA

Estes poemas, estes poemas,
estes poemas, disse ela, são poemas
sem amor lá dentro. São os poemas dum homem
capaz de deixar mulher e filho por lhe
fazerem barulho no escritório. São poemas
dum homem capaz de matar a própria mãe a fim de clamar
pela herança. São poemas dum homem
como Platão, disse ela, querendo denotar coisa que não
entendi mas que mesmo assim
me ofendeu. São poemas dum homem
que a dormir com mulheres prefere dormir com
ele próprio, disse ela. São poemas dum homem
com olhos como naifas aguçadas, mãos iguais às dum
gatuno, urdidas de água e lógica
e fome, sem fibra de amor nelas. São
tão sem coração este poemas como o piar das aves, tão involuntários
como folhas de ulmeiro, que, se amam, amam apenas
o vasto céu azul e o ar e a ideia
das folhas do ulmeiro. Amor-próprio é o fim, disse ela,
não é origem. Amor quer dizer amor
daquilo que se canta, não da canção nem do cantar.
Estes poemas, disse ela...
E diz ele: Como és bela.
Isto não é amor, retorquiu com justeza.

Robert Bringhurst, A Beleza das Armas; tradução de Júlio Henriques. Antígona

3 comentários:

Soledade disse...

Este poema também me interpela. Em tempos, tive-o no nocturno com gatos. Continua a interpelar-me.

Saudades vossas, Zef

Anónimo disse...

Forte como uma fragrância oriental - foi o primeiro pensamento que me veio depois de ler este poema.

Um abraço,

Lis

zef disse...

Sei, Soledade. E também me lembrei de um poema seu que começa:
"Não há intenção definida no gesto
da mão sobre a folha."
("Sob os Teus Pés a Terra")
Até breve?

Que as fragrâncias se mentenham, Lis.