13.2.20




O eremita (continuação de 29.1.20)

Conhecia o cheiro das flores e a maneira como os aromas andavam no bosque de mistura com as folhas. Eram pontas de luz de cores misturadas. Se precisasse de falar, bastava olhar o vento. E os pássaros olhavam.
E não era preciso brincar às palavras. Nem dizer boa noite.
O bosque do eremita era divino. Não tinha árvores do bem nem os frutos eram os do mal. E já tinha esquecido a maneira como as coisas haviam aparecido. Mas sabia que tudo era bom. Tudo tinha sido bom. Algumas dúvidas, guardava-as. Tinha razões.

 Muitas vezes, ao dizer “Creio”, ficava a pensar. E baixava a voz.
Também não era capaz de se iludir dizendo muitas palavras como as que substituíam qualquer “bom dia”, “boa noite”, sem adornos. Poucas vezes dizia “o céu está calmo e ajuda as raposas a procurar o sítio do descanso, e eu tenho musgo e uma pedra para repousar o coração. Os pássaros sabem onde dormir. Durmo como os pássaros”. Sabia que isso era maneira de desritualizar um cumprimento. Conhecia ritos, usava-os, mas queria-os poucos e pequenos.

Colmeal da Torre, 13/Fev/20

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