28.3.07

Dos ritos

Houve intenção quando os joelhos se tocaram e as mãos perceberam o convite. O desenho dos olhos e das bocas de dedos suaves conteve a respiração já acelerada e viu tranquilo passeio, dedos conduzindo dedos, palmas e costas das mãos a conhecerem os caminhos e novos modos lindos de andar.

A mesa estava posta. O pão e o vinho pediam também as mãos, a refeição que os juntou prolonga-lhes o gosto.

Há lume no lar, cobertores macios no chão, chuva miudinha nas vidraças. Janelas grandes. A luz, mesmo a mais pequena, nunca fica do lado de fora.E muito tempo.

Olhares e mãos entenderam-se e houve risos e corridas à chuva cabelos molhados de flores de água e de margaridas à chuva e salivas e humores violetas e suores que a chuva adoça flores nos cabelos escorridos corpos pétalas tapete das bem-aventuranças todas as do céu as da terra as de toda a parte

E, à chamada tranquila do chão macio e do lume obsequioso,

estendidos na manta,
todos os lumes encheram a sala.

A noite foi serena e foi grande.

(Obs.: o meu amigo Aires viu esta coisa e depurou-a como ele sabe)

14 comentários:

Amélia disse...

Gosto.Sobretudo para o final (para que tende o que vem antes, é claro):
E, à chamada tranquila do chão macio e do lume obsequioso,

estendidos na manta,
todos os lumes encheram a sala.

A noite foi serena e foi grande.

-e que a noite se prolongue

rendadebilros disse...

E, quando a manhã chegar, não se dissipe a ternura...
... e mais palavras, para quê?
Delicioso quadro!!!
Um abraço.

Anónimo disse...

« E muito tempo. »

Que bem aproveitado seja sempre, pois, mesmo bem vivido e entendido, por muito é sempre pouco.

Gostei muito.

alecerosana disse...

Fui conferir, não fosse algum pormenor escapar-me por entre as linhas da escrita. Percebi que há um tempo em que o tempo, contrariando todas as leis, parou. A correlação entre espaço-tempo conduz-nos, invariavelmente, a um todo indissociável.

Anónimo disse...

Zef, conhecia-lhe as pequenas anotações poéticas, às vezes quase aforísticas, e fiquei surpreendida com este texto mais extenso, uma narrativa "mágica". Tantas imagens de terna e sensual alegria, contando de uma cumplicidade e de ritos longamente partilhados, comummente entendidos. A casa, a refeição, a chuva, o lume, o amor... Enternece-me particularmente este adjectivo "lindos", assim disposto:
«novos modos lindos de andar» - tem a simplicidade brilhante e
alegre de um bago de romã. Ou de um dos seus diminutivos :)


Bjs para todos

Anónimo disse...

Não posso deixar de voltar a comentar, depois de ter lido o comentário da Soledade... Se o texto do Zef já era rico de sentimentos sugeridos, compreendidos por partilha, o texto da Soledade veio dar-lhe o retorno do entendimento partilhado e comovido.
Fiquei emocionada. Grata aos dois.

E com esta me despeço, até voltar a ter computador em casa..
Abraços.

Jorge P. Guedes disse...

Um bonito enquadramento!

Abraço.

zef disse...

Amélia, e que se prolonguem as noites e os dias, seja manhã, seja tarde.

zef disse...

Rendadebilros, as manhãs chegam bem e ternas quando somos capazes de acender o Sol...

zef disse...

Fernanda, gosto de a ver aqui duas vezes a dizer do seu gosto e fico todo contente por gostar.

zef disse...

Alecerosana, o "todo indissociável" é das leis da física? - Se não é, passa já a sê-lo, ou a gente já não manda nada?...

zef disse...

Olá, Soledade; fiz muitos riscos neste texto, mas novos modos lindos de andar nunca saiu do papel. De resto, foi a medo que pus isto na romãzeira (e não é que a desgraçada, a que está no quintal, continua peca e sem graça, a desgraçada?...).
Beijos por tudo e mais pelo que diz.

zef disse...

Foi o que tentei, Jorge.
Abraços

zef disse...

De facto...
Beijos